Doria afirmou nesta segunda-feira (1º) que, a partir do ano que vem, caso seja eleito, a polícia deve ser letal. "Não façam enfrentamento com a Polícia Militar nem a Civil. Porque, a partir de 1º de janeiro, ou se rendem ou vão para o chão", disse em entrevista à Rádio Bandeirantes. "Se fizer o enfrentamento com a polícia e atirar, a polícia atira. E atira para matar", complementou o ex-prefeito da capital.
O comandante-geral da PM afirmou que não opinaria diretamente a respeito do que disse o candidato tucano, mas, sim, sobre a técnica que a PM deve utilizar independentemente de quem seja o governador. "Qualquer polícia do mundo é feita para conter a violência. É um instrumento do estado, a representação física para conter a violência", argumentou.
"Sendo muito técnico, porque a polícia é uma instituição apartidária, devo dizer que a opção do confronto é do infrator da lei, não do policial. O policial só deve fazer uso da força, de forma progressiva, quando se vê numa situação em que deve se defender ou preservar a vida de um terceiro", disse o comandante à reportagem.
Ninguém sai de casa para matar. Somos profissionais. Tem que agir tecnicamente e dentro da legalidade. A opção do confronto é do infrator.
Marcelo Vieira Salles, comandante-geral da PM de SP
O comandante se diz preocupado com a sociedade que aplaude a letalidade policial, que bateu recorde em 2017. Com 939 mortos pelas polícias civil e militar, o ano passado foi o que a letalidade policial bateu recorde histórico desde o início da contabilização dos dados , em 1996. Em contraposição, o ano passado registrou o menor número de policiais mortos.
"Temo muito quando fazem esse tipo de declaração e a própria sociedade que a aplaude. Essa sociedade é a mesma que vai condenar o policial no júri. As pessoas não sabem o que acontece depois de um evento morte. O PM é processado, tem que constituir advogado. É ruim para ele [policial] e para a sociedade. Ninguém ganha com isso", afirmou o comandante.
"Acho que os candidatos poderiam se preocupar em defender o policial que está em serviço e aprimorar o sistema de segurança como um todo. Uma das colunas mestres da instituição é a preservação da vida", complementou o coronel. Nenhum dos três primeiros colocados nas pesquisas aponta a letalidade policial como problemática. As medidas propostas por ambos têm como principal função manter a queda nos homicídios e fortalecer os policiais .
Comandante da PM desde 26 de abril deste ano, Salles é amigo do candidato à reeleição Márcio França (PSB), que o nomeou. Ele é considerado, por colegas do oficialato, como defensor dos direitos humanos e agregador .
Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) informou que a "Polícia Militar não comenta declarações dos candidatos sobre suas propostas de governo", mas salientou que sua postura "sempre será legalista". A campanha de João Doria disse que o candidato não tem interesse de se manifestar sobre o assunto.
Declaração de Doria é contrária a método da PM
A declaração de Doria não leva em conta o método que leva o sobrenome do coronel reformado Nilson Giraldi, que orienta o policial a disparar dois tiros por vez, de forma gradual e se necessária, contra um suspeito, para que o policial fique seguro e, ao mesmo tempo, prenda o suspeito, em vez de matar.
Por email, o coronel reformado Giraldi afirmou ao UOL que o método tem como finalidade servir e proteger a sociedade, além do próprio policial. "Assim, o policial pode regressar, íntegro, ao seio da sua família, após uma jornada de trabalho, e não para o necrotério, para uma cadeira de rodas ou para a prisão", disse.
Sua família o espera. Para o agressor, a lei!
Coronel Nilson Giraldi, em entrevista ao UOL
O método é utilizado desde 1998 e tido como um sucesso entre coronéis que passaram pelo comando da corporação. "O método Giraldi é a nossa bíblia de procedimento. Tecnicamente, a linha que a PM adota há 20 anos. Não só minha. Uma linha da PM. Independente de quem seja", afirmou o comandante-geral da PM.
O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, que é o homem responsável por fiscalizar possíveis desvios de conduta de policiais civis e militares, reforça. "O tiro deve ser apenas por preservação da vida. A polícia deve atirar com como última consequência e em ocorrências de confronto. A polícia tem que estar presente fazendo policiamento ostensivo permanente nas ruas para evitar o crime e não com pressuposto de atirar para matar", disse.
O ouvidor das polícias criticou a posição de Doria. "Está totalmente equivocado. Polícia foi feita para evitar o crime, transmitir segurança e não atirar para matar. É uma fala representa o retrocesso na segurança pública", afirmou.
Adilson Paes de Souza, coronel da reserva da PM e mestre em Direitos Humanos, afirma que o método Giraldi estabelece que o tiro letal é a última ação do policial em um confronto e que a afirmação de Doria vai "totalmente contra".
"A sociedade acaba elegendo a polícia como única responsável pela segurança pública, existe essa cobrança, e não é desta forma. [A fala] Tem um viés eleitoreiro, sim, porque a população está com medo, não se sente segura e quer que alguém estabeleça ordem. É uma declaração infeliz, que poderá soar ao policial como um incentivo para matar", aponta Paes de Souza.
Declaração de Doria incentiva o confronto, dizem especialistas
Para o coronel José Vicente da Silva Filho, que já comandou a PM Paulista e foi secretário nacional de Segurança Pública do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a declaração de Doria "é infeliz". "Ele dá uma orientação de mais agressividade, até de letalidade. A polícia não precisa de ordem de candidato a governador para saber se deve ou não atirar", analisou.
"Existem condições técnicas que fazem o policial adotar procedimentos de segurança para ele, que é o método Giraldi. Mas ele dá um certo estímulo aos policiais partirem para o confronto. O treinamento da PM de São Paulo é um dos mais rigorosos do mundo, a polícia sabe os limites da lei e quando atirar ou não", explica o coronel que, inclusive, integrou a equipe de campanha de João Doria, mas se desligou após o candidato afirmar que aumentaria o número de batalhões da Rota .
No âmbito eleitoral, Rafael Alcadipani, professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), observa que Doria utilizou essa frase para tentar subir nas intenções de voto para o segundo turno e que mostra "irresponsabilidade e desconhecimento" sobre Segurança Pública.
"O [candidato do PSB, Márcio] França está subindo nas pesquisas utilizando a Polícia e ele [Doria] está tentando surfar nesta onda. Isso mostra uma grande irresponsabilidade com o tema. Claro que o confronto é necessário em alguns momentos, mas a solução da violência se dá pensando em inteligência", explica o docente. "Toda vez em que acontece um disparo [de arma de fogo], o policial está em risco e a população está em risco. A declaração é de quem é amador em Segurança Pública".
Segundo a pesquisa Datafolha mais recente, divulgada na sexta-feira (28), Doria lidera a corrida ao Palácio dos Bandeirantes, com 25% das intenções de voto. Em seguida, estão Paulo Skaf (MDB, 22%) e Márcio França (PSB, 14%).