Nessas mais de duas décadas, a reportagem revela que, enquanto as autoridades menosprezavam ou simplesmente negavam sua existência, o grupo aumentou o seu número de membros (os “irmãos”) e expandiu sua presença pelas penitenciárias e ruas de todo o Estado de São Paulo. Depois, foi a vez de se espalhar para locais essenciais na rota de tráfico de drogas e de armas, como Paraná e Mato Grosso do Sul, ficando suas garras nos Estados que são a porta de entrada para abastecer o crime organizado no País.
Hoje, o PCC funciona também como uma “espécie de agência reguladora do crime” e atua, com diversos graus de influência, em todo o Brasil, mas, principalmente, em Mato Grosso do Sul, que fica na fronteira com o Paraguai, país que se tornou o maior problema de segurança pública brasileiro. Nem mesmo o conflito interno iniciado após a morte de um dos seus líderes e a guerra contra o ex-aliado CV (Comando Vermelho) parecem deter o avanço do grupo paulista, cujo faturamento anual é estimado em R$ 400 milhões por ano. Essa partida, o crime organizado está vencendo por goleada.
Manutenção da cúpula em presídio
A P2 (Penitenciária 2) de Presidente Venceslau, a 600 km da capital paulista, é uma das poucas unidades prisionais de São Paulo a não sofrer de superlotação. Atualmente, são 800 presos para 1.280 vagas. Lá, cumprem pena aqueles considerados os homens mais perigosos já capturados pelo estado, a exemplo de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como chefe do PCC.
Além de Marcola, os outros integrantes da cúpula da maior facção criminosa do país também estão reclusos no local, apontam investigações da Polícia Civil e do MP (Ministério Público) de São Paulo.
A unidade possui mecanismos de segurança, como bloqueadores de celular, scanner corporal e portas de celas automatizadas, informa a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) do estado. Todo esse aparato tem um custo superior ao de uma cadeia comum.
Dados obtidos com exclusividade pelo UOL, por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), revelam que o governo de São Paulo gasta – de forma direta ou indireta -, em média, R$ 280 milhões mensais para manter os 225 mil presos das 170 unidades prisionais do estado. Uma média de R$ 1.200 por preso.
O gasto com a P2 de Presidente Venceslau consome todo mês R$ 2,2 milhões: um custo de R$ 2.700 por homem recluso. Ou seja, o governo paulista gasta, mensalmente, 125% a mais para manter em funcionamento a cadeia dos chefes do PCC em comparação à média do custo por detento de outras prisões do estado. Os dados referem-se à média mensal dos últimos quatro anos.
Os gastos de qualquer presídio são variados. Referem-se, a grosso modo, a salários de funcionários e outras despesas administrativas, material de limpeza e de escritório, água, luz, telefone, lixo e esgoto, além da manutenção do prédio e dos equipamentos de segurança. Também estão embutidos no cálculo o que é gasto com alimentação, colchões, roupas de cama e uniforme dos detidos.
Por sua vez, a P2 de Presidente Venceslau tem suas particularidades, que encarecem seu custo mensal. Integrantes da cúpula do PCC permanecem mais tempo na cela durante o dia do que um preso de outra penitenciária, o que aumenta o custo com luz e água.
Voltado para agir em rebeliões, o GIR (Grupo de Intervenção Rápida) também está lotado nessa prisão e, assim, há mais despesas com diárias de servidores, manutenção de equipamentos e alojamentos e compra de uniformes.
“Outro fator que encarece o custo da unidade é a alimentação, que é preparada em outra unidade da região, pois, tendo em vista o perfil dos presos, seria imprudente que fosse preparada por eles mesmos, dentro da unidade, com acesso a material cortante como facas”, informou a secretaria, por meio de nota oficial. Por essa razão, é necessário buscar a comida duas vezes ao dia.
Na mesma resposta, a SAP afirmou que considera que o custo médio por preso em todo o estado de São Paulo é um pouco maior (R$ 1.450) do que o informado por meio da LAI, quando se considera outros itens de despesas. “Esta conta é feita com base em uma média que engloba todas as unidades da pasta, considerando o ano todo.”
Diplomacia da bala
Apesar de estar enclausurada na P2 de Presidente Venceslau, a cúpula do PCC consegue comunicar suas ordens aos “soldados” e assim coordenar o projeto de expansão por todo o país. A Operação Echelon mapeou esse processo de crescimento.
Com base em investigações de âmbito nacional, que usaram cartas e celulares de integrantes da facção apreendidos em todo o país, o UOL obteve um levantamento exclusivo de quem são os inimigos e os aliados do grupo paulista.
O PCC tem, ao menos, dez facções inimigas e 14 aliadas no Brasil.
Quem se associa ao PCC recebe vantagens como a possibilidade de comprar carregamentos de armas e cocaína a custos inferiores do que o praticado pelos concorrentes, por exemplo.
Entre os adversários, ninguém é maior do que o Comando Vermelho. Nascida no Rio de Janeiro ainda durante a ditadura militar, a facção inspirou a criação do PCC, que tomou para si o lema dos cariocas: “Paz, Justiça e Liberdade”. Ambas tinham uma aliança, que começou a fraquejar em 2013 e se rompeu de vez três anos depois.
A fissura no mundo do crime se explica pela busca da hegemonia por parte do PCC. Ao promover batismos de novos integrantes, a facção usou um discurso de “união e de luta contra o sistema”, mas nem sempre foi bem recebida pelos criminosos locais.
E quando persuasão e diplomacia não funcionaram, recorreu-se a bala nas ruas ou a facões nos presídios. As seguidas mortes em massa em prisões de vários estados nos últimos dois anos são resultado direto desse confronto.
Apesar de inspiradas no modelo paulista, gangues estaduais passaram a disputar com o PCC o domínio dos cárceres e das rotas e pontos de vendas de drogas. A amazonense Família do Norte e a paraibana Okaida surgiram nesse panorama. A primeira foi responsável pela segunda maior chacina prisional do país, atrás apenas do massacre do Carandiru, quando seus membros mataram 56 detentos, em 1º de janeiro de 2017, em um presídio de Manaus. Vinte e seis mortos eram integrantes do PCC.
“A chegada do PCC no mercado de drogas de outros estados produziu enorme instabilidade dentro e fora dos presídios, promovendo alianças e rivalidades violentas, tendo um reflexo no aumento das taxas de homicídios, como ocorreu principalmente nos estados do Norte e Nordeste”, afirmam os pesquisadores Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso, autores do livro “A Guerra– a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”.
No mapa e na tabela a seguir, pode-se observar os arcos de alianças e de inimizades estabelecidos pelo PCC e seu grau de influência em cada estado do Brasil.
Crise se resolve com assassinato
Enquanto entra em guerra pelo país afora, o PCC precisa resolver ao mesmo tempo seus problemas internos. Em um período de três meses, quatro homens, até então apontados como intocáveis na cúpula, foram assassinados por determinação da própria facção criminosa. As mortes geraram grande alarde e viraram tema na opinião pública.
Em dezembro do ano passado, Marcola cumpria o seu último mês de um ano em regime de isolamento. Pouco antes de ele ser liberado da solitária, seu amigo Edilson Borges Nogueira, o Biroska, foi assassinado dentro da penitenciária 1 de Presidente Venceslau.
No enterro de Biroska, houve explosão de fogos e grande presença de público. Dentro das prisões, a morte do criminoso, que havia sido expulso da cúpula do PCC porque sua companheira brigou com outras mulheres de presos dentro de um ônibus, não foi bem recebida.
O MP paulista apontou que a morte de Biroska poderia ter sido ordenada por Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue. Ele era o principal líder da facção em liberdade entre fevereiro de 2017 e fevereiro de 2018, quando foi morto, junto com Fabiano Alves de Souza, o Paca.
Investigação da Polícia Civil aponta que Gegê e Paca estariam roubando dinheiro da própria facção. Alguns envolvidos no duplo homicídio foram presos, porém, detalhes do caso permanecem envoltos em mistério. Não se sabe, por exemplo, quem exatamente da cúpula do PCC deu autorização para as mortes. No enterro deles, e dentro do sistema penitenciário paulista, diferentemente da reação à morte de Biroska, houve silêncio.
“O PCC age como se fosse uma empresa. Porém, as empresas demitem. Eles, dependendo da situação, se consideram que houve uma traição, cumprem o estatuto: dependendo do grau da falta, alguns casos são pagos com a morte. Nos últimos casos [do início de 2018], foi por desvio de dinheiro”, afirma o jornalista e escritor Josmar Jozino, autor de uma trilogia sobre o crime organizado paulista: “Cobras e Lagartos” (2005), “Casadas com o crime” (2008) e “Xeque-Mate: O tribunal do crime e os letais boinas pretas – Guerra sem fim” (2012).
Após as mortes de Gegê e Paca, três homens foram fuzilados no bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo. A suspeita é a de que foram assassinados numa ação de queima de arquivo. Os dois primeiros, ainda em fevereiro, foram Eduardo Ferreira da Silva, o Borel, dentro de uma Mercedes-Benz, e Wagner Ferreira da Silva, o Cabelo Duro, em frente a um hotel.
Cabelo Duro, segundo o MP, estava no helicóptero que levou à morte Gegê e Paca em uma reserva indígena no Ceará. Em 23 de julho, foi a vez de Cláudio Roberto Ferreira, o Galo Cego, ser alvo de 70 tiros de fuzil dentro de um Audi Q3 blindado. Ele também estaria envolvido nas mortes de fevereiro.
Esta não é a primeira vez que o crime organizado de São Paulo mata seus membros mais renomados. Sempre que há um indício de ruptura dentro do grupo, aquele que está gerando discórdia é assassinado. Tem sido esta a regra.
A última crise interna relevante, antes da atual, aconteceu em novembro de 2005, quando o então número 2 da facção, Sandro Henrique da Silva Santos, o Gulu, e outras seis pessoas morreram a tiros em um período de dois dias.
“Em novembro de 2002, quando o Marcola assumiu a liderança do PCC, junto a ele tinha o Gulu –o grande traficante da Baixada. Os dois eram as duas lideranças iminentes. Depois dos sete mortos, o irmão de Gulu foi assassinado, a mãe teve de fugir e Marcola saiu fortalecido como o principal nome do PCC”, relembra o pesquisador Bruno Paes Manso, do NEV-USP (Núcleo de Estudos da Violência da USP).
O futuro
Quase todo mês, noticia se sucessivas operações policiais e do Ministério Público que levam à prisão dezenas de membros do PCC. Porém, a facção não se enfraquece. Nos últimos quatro anos foram “batizados” (admitidos no grupo) 60% dos atuais 30 mil membros. Boa parte deles foi filiada dentro de um presídio. O sistema penitenciário tornou-se não apenas o “home office das organizações criminosas”, como já disse o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, como é também a principal fonte de recrutamento de bandidos.
Se apenas prender é oferecer “mão de obra para o crime”, como afirma Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, o que se deve fazer para enfrentar o PCC?
“Um conjunto de ações que englobem inteligência, monitoramento constante, bloqueio de bens e de dinheiro”, afirma a desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para a magistrada, a robustez do PCC, 25 anos depois de sua fundação, é a prova da falência do Estado.
A facção poderia ser combatida e vencida, na visão de quem já investigou. Mas as autoridades perderam diversas oportunidades de diminuir o poder dos comparsas de Marcola. “O Estado falhou em compreender a magnitude da ameaça que enfrentava. Apesar de esforços individuais e heroicos, a grandeza da expansão ainda não é percebida com a relevância e a urgência necessárias”, afirma o procurador de Justiça Márcio Sérgio Christino, do Ministério Público de São Paulo, que é um dos autores do livro “Laços de Sangue – A História do PCC”.
“A expansão do PCC será sempre inversamente proporcional à ação do Estado para repressão e controle. Levando se em consideração que não haja qualquer tipo de mudança profunda nas ações que foram empreendidas até hoje, parece-me correto avaliar que o PCC continuará crescendo e assumirá um papel preponderante na América do Sul”, acrescenta.
Os grupos criminosos do Brasil se distinguem dos de outros países por sua origem prisional. Foi assim com o CV (Comando Vermelho), o PCC e as outras gangues surgidas durante os anos 2000. Mudar a política carcerária seria o primeiro passo para um enfrentamento consistente desse tipo de organização criminosa.
“Enquanto a questão penitenciária no Brasil não fizer parte das políticas de segurança pública e enquanto não incorporar a agenda política do Brasil, esta e outras organizações criminosas que atuam de dentro das cadeias continuarão a solapar do Estado a prerrogativa própria de um poder soberano, qual seja, a execução da pena”, diz o presidente dos agentes penitenciários federais do Paraná, Carlos Augusto Machado.
Para quem acompanha a facção desde seu começo como o jornalista Josmar Jozino e o promotor Lincoln Gakyia, o nível de organização interna do PCC só cresceu com o tempo. Eles afirmam que ela está a um passo de se transformam em máfia.
“O controle é o mesmo tudo de dentro da cadeia. Mas a facção expandiu os negócios pelo País, partiu para o ramo de exportação de drogas e só não é uma máfia porque não lava dinheiro no exterior”, afirma o jornalista e escritor Josmar Jozino. “A atuação transnacional, a organização empresarial, o PCC já tem. É uma pré-máfia. O que eu acho é que, para se estabelecer como máfia, o PCC ainda não conseguiu realizar a lavagem de capitais. Ainda há apreensões de dinheiro enterrado e escondido”, opina o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado”, de Presidente Venceslau (SP).
Quem melhor poderia responder a respeito dos planos do PCC, ao completar 25 anos de fundação, é aquele tido como seu maior líder. Porém, Marcola se negou a fazer qualquer prognóstico. Disse, por meio de seu advogado: “Silêncio total. De minha parte, creio que não posso ajudar.”