“Saiu nas redes que Andradina sediará uma parque Safari com “animais trazidos do continente africano”. Não sei nem por onde começar. Vou dar 10 centavos de opinião na expectativa que aqui seja um espaço de ideias que podem divergir, e tudo bem. Enfim. Muitos já ficaram ricos com o tráfico de pessoas da África pra cá. Sequestrando gente de suas comunidades para produzirem riqueza nas colônias e tratando-os como animais sem alma. Nossa sociedade se estruturou por sobre esse trabalho escravo. Passou, mas não passou né.
Somos, em muito, o que resultou dessa violenta história, não obstante tantas resistências. Mas puxa, que dívida impagável temos com África né. De lá pra cá, avançamos muito em termos civilizatórios. Embora ainda há trabalho análogo à escravidão e mesmo uma imensa exploração de trabalhadores e trabalhadoras a enriquecer milionários.
Uma das coisas em que também achávamos ter evoluído é sobre a questão animal. Muita gente já reconhece que os animais são “sujeitos de direitos”, e há países com constituições que contemplam isso. Aqui, temos sociedades protetoras e a coibição de animais em circos, por exemplo. Mesmos os zoos têm um papel, hoje, mais de contribuir às pesquisas e para o retorno ou zelo de animais que eventualmente tenham saído de seus biomas naturais.
Isto porque já existe uma compreensão mínima de que os animais não existem para o bel prazer dos seres humanos. Eles não devem existir para nos servir exclusivamente.
O desequilíbrio, no entanto, persiste e gera muitos prejuízos ao meio ambiente, com clara desvantagem aos animais. Retirar animais de seus biomas e habitats naturais para o divertimento humano é um retrocesso nessa consciência. Dizer que isso é uma tendência de mercado é atestar que nem animais e nem humanos importam, somente o dinheiro de quem vai lucrar com isso, a despeito de tantos outros prejuízos.
A gente precisa saber que existem formas de diversão muito mais interessantes, culturais, e investir nelas também traz emprego e renda. Pra piorar, afirmar que isso seria uma homenagem à África é de um colonialismo medonho.
Reafirma uma imagem de uma “história única” daquele continente (pelo amor das deusas assistam à palestra da nigeriana Chimamanda Adichie sobre o Perigo de uma História Única) cuja diversidade de países, povos, línguas, histórias, criações e potência não reside na representação como lugar selvagem, primitivo, exótico. Espero mesmo que a gente possa mais que continuar “sequestrando da África” e se divertindo as custas da dor, agora, de animais retirados de seus ambientes originários”.
A repercussão da postagem da docente gerou mais de 200 mil engajamentos orgânicos, com mais de 690 curtidas em rede social, 87 compartilhamentos em matéria divulgada pelo site Hoje Mais Andradina na terça-feira (21), segundo a jornalista Flávia Gomes relatou a nossa reportagem nesta sexta-feira (24).
Contradição
Mário Celso anunciou o nome do parque em “homenagem” ao continente que mais forneceu escravos ao Brasil, justamente a semelhante escravidão que levou a sua condenação por explorar trabalhadores em fazenda de sua propriedade de Mato Grosso. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, entre 2005 a 2009, fiscais do Ministério do Trabalho, flagraram trabalhadores em condições análogas (semelhante) a de escravidão, sendo 21 sem registro, descriminação de mulheres seringueiras, que não eram registradas.
Também era explorada servidão por dividas, com a necessidade de comprar mercadorias somente na Mercearia Líder, em Aragarças, de propriedade do primo do gerente da fazenda (filho do empresário), em razão do cheque administrativo emitido pelo empregador, que só era trocado na referida mercearia, condições precárias de moradia, inexistência de instalação de banheiros, água para o consumo humano, armazenada em reservatório sem cobertura, repleto de larvas e insetos, condições de trabalho degradante, pela ausência de EPI, inclusive com aplicação de agrotóxico e armazenamento de embalagens cheias de agrotóxico nas casas dos trabalhadores em contato com mulheres e filhos.
Conforme a denúncia, Mário Celso Lopes como proprietário da fazenda, se beneficiou dos lucros da atividade seringal com exploração de trabalhadores em condições análogas à de escravos e tinha plena ciência da situação, pois visitava a fazenda duas a três vezes por ano. Além de lucrar com a exploração, o empresário obrigava os trabalhadores a “gastar” no comércio de familiar.
Em decisão do juiz federal da 7ª Vara Criminal de Mato Grosso, Paulo César Alves Sodré, ocorrida em 14 de julho de 2017, condenou Mário Celso Lopes a 6 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão e 240 dias multa em regime semiaberto. O hoje prefeito de Andradina recorreu da decisão e o caso foi parar no TRF1.
Os desembargadores da 4ª Turma do TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), em junho do ano passado mantiveram a condenação e reduziram a pena para 05 anos, 04 meses e 15 dias de reclusão e 150 dias-multa em regime semiaberto. Mário Celso tem recorrido da decisão, mas até aqui, sem sucesso.