O fato deu origem a uma investigação, hoje sob responsabilidade da Promotoria do Patrimônio da Capital. Ao menos sete empresas são mencionadas na representação inicial da Promotoria e na acusação, feita anonimamente. No documento, é levantada a suspeita de que dois grupos hegemônicos do ramo teriam atuado dentro do órgão governamental para vencer pregões destinados à contratação de serviços de alimentação prisional.
São citadas licitações referentes a 2020, durante o governo de João Doria (PSDB). Com o inquérito em fase inicial, a Coordenadoria de Unidades Prisionais e empresas de alimentação foram oficiadas para que prestem esclarecimentos à Promotoria.
Algumas das empresas mencionadas apresentam cadastros com dados comuns em seus quadros societários ou utilizaram o mesmo endereço de IP da internet para concorrer nos processos licitatórios. Esse dado dá indícios de que empresas com vínculos entre si podem fazer frentes duplas contra a concorrência, com interferência na precificação do mesmo processo licitatório. Pregões são como leilões em que os lances favorecem a oferta de menores preços.
O cadastro das empresas Serv Food, Real Food e Viesa, por exemplo, mostram que elas possuem algum tipo de vínculo, com repetições em quadros societários ou com sócios que se conhecem e têm vínculos empregatícios anteriores.
É o mesmo caso das empresas Verde Mar e Top Quality. A investigação tem como principal alvo Antonio José de Almeida, que foi nomeado em 2016 para chefiar a Coordenadoria de Unidades Prisionais da Região Metropolitana de São Paulo. Também menciona outros servidores ligados à pasta, como Amador Donizete Valero, chefe de gabinete da secretaria, que já foi investigado anteriormente pela Promotoria, por razão similar.
Entre os indícios de fraude, há a prática recorrente de inabilitar empresas que se credenciam para concorrer nos pregões lançados pela secretaria, em uma série de contratações que somam cerca de R$ 30 milhões. Laudos a que a reportagem teve acesso mostram que as inabilitações se deram por razões como falta de documentação ou reprovação na inspeção de instalações onde as comidas seriam preparadas.
Uma descrição no inquérito civil diz ainda que a denúncia recebida aponta que Almeida teria construído relação pessoal com proprietários da empresa Real Food, evitando punições e advertências que poderiam ter sido aplicadas por causa do não cumprimento de itens estabelecidos nos contratos para o fornecimento das marmitas ao sistema prisional da Grande São Paulo.
Em resposta à reportagem, a Secretaria da Administração Penitenciária informou que as unidades prisionais têm autonomia, conforme legislação, para realizar as licitações. "Não há possibilidade de ingerência ou controle direto pela chefia de gabinete nesses procedimentos", disse a assessoria de imprensa do órgão.
"A pasta não teve acesso ao conteúdo da denúncia. Assim que tiver, irá avaliar o conteúdo para decidir a medida a ser adotada. Em 2019, houve redução de 15% no gasto com alimentação nas unidades prisionais da capital e Grande SP em relação a 2018, mantendo a qualidade e com economia de R$ 22 milhões." Valero e Almeida preferiram não se pronunciar.
(FOLHAPRESS)