TJ e MP paulistas abrem mão de fiscalizar Estado em troca de cargos e salários, diz estudo

Quinta, 21 Setembro 2017 12:10

O ex-presidente do TJ-SP José Renato Nalini, com o governado Geraldo Alckmin (à dir.), ao assumir a Secretaria da Educação um mês após sair do cargo

Responsável por fiscalizar as ações do Estado, o Ministério Público Paulista estaria abrindo mão de tarefas que garantem a cidadania por interesse em cargos no Executivo e vantagens pecuniárias, como abono e adicionais como auxílio moradia que fazem os vencimentos ultrapassarem o teto do funcionalismo público, de R$ 33.763, em 97% dos casos. Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo trabalharia em conjunto com o governo do estado , a não ser quando vantagens salariais são questionadas.

Essas conclusões são do estudo “Uma Espiral Elitista de Afirmação Corporativa: Blindagens e Criminalizações a partir do Imbricamento das disputas do Sistema de Justiça Paulista com as Disputas da Política Convencional”, apresentado em fevereiro deste ano como tese de doutorado de administração pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) pela supervisora-geral do IBCCrim ( Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) Luciana Zaffalon, advogada e ex-ouvidora externa da Defensoria Pública. A base da pesquisa são todos os 566 processos analisados pela presidência do TJ-SP entre 2011 e 2015.

“Eu tinha clareza do impacto desses dados. Por isso optei pela metodologia mais conservadora e completa possível para que não houvesse a possibilidade de apontar recorde enviesado da minha análise”, afirma Zaffalon. Trabalhei apenas com universo de dados, sem nenhum recorde. É uma proteção para que o resultado seja considerado sem questionamento do viés que teria tomado.”

O estudo durou três anos e foi elaborado a partir de um estágio de pesquisa com o sociólogo Boaventura de Souza Santos. Zaffalon analisou todas as vezes em que o Estado de São Paulo recorreu na Justiça após ser derrotado em primeira estância, e com o MP (que tem como dever constitucional justamente questionar o Estado) agiu nessas situações.

 

Enquanto José Renato Nalini presidiu o TJ-SP, entre 2014 e 2015, foram acolhidos todos os recursos do Estado em relação a licitações, atos e contratos e em casos de privações de liberdade. Ou seja, o estado de São Paulo reverteu todas decisões em que havia sido derrotado e recorreu. Na gestão Ivan Sartori (2012-2013), as taxas de acolhimento foi menores, mas expressiva (85% em casos de prisão e 77% em licitações). Nalini hoje é secretário estadual da Educação do governo Geraldo Alckmin.

Por meio de nota, o Tribunal de Justiça afirmou teve conhecimento da tese divulgada pela pesquisadora Luciana Zaffalon somente pela imprensa. “De qualquer forma, o TJ-SP tem todo interesse que se produzam análises que possam ajudar a justiça paulista e brasileira e, a partir das informações trazidas pela pesquisadora, deu início a uma série de estudos para verificar a pertinência de dados por elas levantados e a consistência dos recordes utilizados para as conclusões . Por essas razões, nesse momento, o TJ-SP não tem elementos para emitir pronunciamento sobre a tese divulgada dada, inclusive, a sua extensão. Mas, todo o trabalho será devidamente analisado e, ser for o caso, contrastado.”

SEM MEXER NO SUPERSALÁRIOS

Outro ponto apontado pelo estudo é que, das 129 vezes em que o estado de São Paulo questionou os supersalários (vencimentos acima do estimulado pela Constituição) de funcionários da MP e do TJ, foi derrotado em todos. Ou seja: neste tema específico, aplicar os limites dos tetos dos salários, o Estado perdeu todas.

O estudo não pode tabelar os salários do tribunal por que os arquivos cedidos não permitam a catalogação — é usada como base o Anuário do CNJ ( Conselho Nacional de Justiça) de que a média salarial do TJ era de R$ 45.906,02 em 2015.

” Os 129 casos que trataram da não aplicação do teto remuneratório apresentaram- se diferentes formas nas decisões dos processos de suspensão. As diferenças, contudo , não aplicaram alteração no percurso processual dos debates nem nos resultados das decisões proferidas pelos presidente do tribunal frente ao inconformismo das pessoas políticas afetadas, que requereram a suspensão”, aponta estudo. ” Se o Estado buscou aplicar os limites do teto remuneratório , (…) a presidência do Tribunal, por sua vez, não teve reservas em afastá-lo em nenhum dos 129 processos analisados, consolidando, em 100% dos casos, o entendimento pela não aplicação dos limites de recebimentos.

SE O ESTADO BUSCOU APLICAR OS LIMITES DO TETO REMUNERATÓRIO, A […] PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL, POR SUA VEZ, NÃO TEVE RESERVAS EM AFASTÁ-LO EM NENHUM DOS 129 PROCESSOS ANALISADOS

LUCIANA ZAFFALON EM SEU ESTUDO

Os vencimentos mensais do MP-SP, assim como os do TJ-SP, também ultrapassam o teto constitucional. De acordo com a tese de Luciana Zaffalon, apenas 60 dos 1.920 registros de vencimentos do Ministério Público paulista não ultrapassam R$ 33.763.

Isso não significa que o salário de 97% do corpo de promotores e procuradores do Estado seja maior do que determina a Constituição.O próprio estudo aponta que os salários batem, no máximo, em R$ 30 mil, mas são acrescidos de vantagens como abonos, indenizações adicionais. Com a soma desses penduricalhos, existe 109 vencimentos no MP -SP que ultrapassam R$ 60 mil.

” A legislação não proíbe o pagamento de verbas indenizatórias”, afirma Ricardo Prado, procurador de justiça do estado de São Paulo. Óbvio que as verbas extrateto deveriam ser limitadas. Não há ilegalidade, mas uma questão política do governo: eles trocaram a designação — vencimentos verbas de representação — que virou subsídio. Algumas coisas permaneceram de fora.”

Segundo Prado, foi uma estratégia do governo para que promotores e procuradores aposentados não recebessem salário equivalentes ao de quem está ativa. “O abono permanente foi algo criado para turma não se aposentar. É verba que você paga para Previdência e o Estado, para quem já tem tempo para aposentar, devolve esse valor . Como salário é alto, você vai ter que pagar duas pessoas uma inativa e outra ativa. Isso cria deformações, já que a nossa lei prevê igualdade de vencimentos entre o pessoal da ativa e os inativos. O inativo não ganha mesma coisa, por que se aposentar,perde verbas. Por isso eles querem aumento de salário”, afirma.

O ministério público por meio de nota afirmou que tem sido comum às vezes por má-fé e as vezes por desconhecimento que muita gente confunda remuneração com indenização, conforme já reiteramos na publicação reportagem sobre o mesmo estudo em 28 de Abril deste ano”. “Nenhum membro do MP-SP recebe mais do que o teto. Pagamentos de natureza indenizatória em que o promotor de justiça é ressarcido por despesas que realizou no cumprimento de função, não constituem remuneração, segundo estabelecem a Constituição Federal, a lei orgânica do Ministério Público, as resoluções do CNMP, do CNJ e, por fim o Supremo Tribunal Federal.”
O Governo do Estado, também por meio de nota, afirmou que não cabe ao Executivo a definição da política salarial dos integrantes dos Poderes Legislativo e Judiciário, bem como dos membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, ” Portanto, é absolutamente descabida a suposta associação feita pela pesquisadora, vez que as remunerações de outros poderes independem das decisões e atos do governador.”
QUANDO A POLÍTICA INTERFERE

Nos últimos 18 anos, o cargo de Secretário de Segurança Pública do estado de São Paulo foi ocupado por egressos no Ministério Publico. A lista começa com Marco Vinicio Petrelluzzi no governo Mário Covas (PSDB) em 1.999, e passa por Saulo de Casto Abreu, Ronaldo Marzagão, Antônio Ferreira Pinto, Fernando Grella, Alexandre de Moraes e o atual, Magino Barbosa.

Fernando Capez, o ex-secretário de Segurança e atual ministro do STF Alexandre de Moraes (ambos egressos do MP) e Alckmin na posse de Magino Barbosa

A LIGAÇÃO DO MP COM O GOVERNO DO ESTADO NÃO NOS TEM BENEFICIADO PELO CONTRÁRIO, ISSO NOS PREJUDICA. JÁ COMEÇA COM A CHEFIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO SER ESCOLHIDA PELO GOVERNO
Ricardo Prado, procurador do Ministério Público do Estado de São Paulo

Segunda a pesquisadora Luciana Zaffalon, como todas as carreiras do MP passam regularmente por eleições onde os únicos atores que votam nos cargos para preenchimentos são os próprios membros da carreira, as eleições coroam projetos corporativos, com uma dinâmica de financiamento do governo do Estado.
Procuradores e promotores elegem uma lista com três nomes, que é submetida ao governador, que escolhe o nome do procurador-geral do estado baseado nela.

” No ano de 2015, o MP gastou só com benefícios 421 milhões. Ele recebeu de suplementação orçamentária 216 milhões. Se não tivesse esse gasto com penduricalhos, não precisaria recorrer ao Executivo para a suplementação orçamentária de sua despesas. Há necessidade de o gestor da carreira negociar com o Executivo para pagar os penduricalhos corporativos que mobilizam as eleições internas, e os órgãos estão preocupados com questões corporativas nas eleições ” aponta o estudo.

Procurado, o Ministério Público do estado de São Paulo afirmou que “quanto a pretensa passividade do Ministério Público em relação aos atos do governo do Estado, a crítica não aguarda a mínima ligação com a realidade de fatos.”
“Inúmeros membros do governo estadual têm sido processados na esfera civil e prerrogativas garantidas pela Constituição. Só nas promotorias do patrimônio públicas há cerca de 1.500 inquéritos e ações civis que envolvem agentes públicos, boa parte delas ligada ao governo estadual. Isso sem contar os feitos de natureza penal por iniciativa de outros promotores. Promotores e procuradores que integram o governo aceitam o convite em caráter estritamente pessoal, não institucional. A indicação do procurador geral de justiça pelo governador a partir da lista tríplice se da por comando legal.”

O Estado afirmou que a análise da pesquisadora “é parcial e equivocada em relação a composição do secretariado estadual. ” O quadro de secretários é amplo e conta, além de ex-integrantes do Judiciário e do Ministério Público, com professores universitários, pesquisadores, representantes da sociedade civil e das áreas científicas, cultural e servidores públicos de carreira. A escolha é feita de forma a melhor atender o interesse público, aproveitando o conhecimento, da competência técnica e capacidade de gestão de um deles profissionais.
Importante destacar também que o estado é defendido judicialmente pela Procuradoria Geral do Estado, que possui nos quadros profissionais que praticam a advogacia pública com reconhecida competência, eficiência e espirito público”

Marcos Sergio Silva
Do UOl, em São Paulo

 

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