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Prefeitura recebe imissão de posse do Valparaíso Clube e anima população

Terça, 09 Fevereiro 2021 23:35

*Priscilla Andrade*

O ponto de encontro dos anos 80 está tão vivo ainda na memória das famílias de Valparaíso, que no Facebook uma página criada só para lembrar dos velhos tempos já tem mais de 1,5 mil seguidores.

O grupo intitulado de “Salvem o Valparaíso Clube” propõe gerar discussões para resgatar o maior patrimônio social, histórico e cultural da cidade, para muitos, parte da infância. Hoje ocupando quase uma quadra em um dos endereços mais bem localizados da cidade, legalmente encerrado em 2008, nenhum representante legal reivindicou o antigo clube.

Fundado 28 de novembro de 1980, há 40 anos, hoje está totalmente abandonado e oferecendo risco à saúde pública, o imóvel se tornou abrigo para moradores em situação de rua, de criadouro do mosquito da dengue – denunciado por moradores em 2018 e vem se deteriorando dia após dia. Em Valparaíso, não há uma pessoa que não pare para desenrolar uma das histórias mais famosas do antigo clube, só puxar o assunto que os moradores param o que estão fazendo para relembrar os melhores momentos – e não foram poucos – do point da época.

O Valparaíso Clube já foi palco de grandes emoções, eventos, encontros e desencontros e quase setenta anos após sua inauguração, o clube se transformou em uma crosta endurecida e um incômodo para a cidade.

NOS TEMPOS DE OURO

Nas fotografias amareladas pelo tempo, não esconde o sorriso e o brilho de olhares eternamente reproduzidas em um tempo que não volta mais. A reportagem da Folha da Região ouviu seu Jairo Mattos Dourado, mais conhecido como Saboga, no bolso ele carrega uma relíquia, passada de pai para filho, a primeira carteirinha de sócio do clube da cidade. Um baita orgulho embrulhado em uma capa de plástico. “Meu pai foi o sócio número 001 do clube e tudo começou em 1950, na verdade o Clube de Valparaíso começou por iniciativa da alta sociedade de época. O terreno foi uma doação do Sr. Agostinho Barbosa, era um fazendeiro daqui. Meu pai trabalhava para o Sr. Rezende Nery Santana, e ajudou na construção do clube e também levava várias pessoas até o clube, como motorista.

E foi nessa época que meu pai adquiriu o primeiro título da cidade”, pontua orgulhoso seu Jairo Dourado, corretor. Jairo conta que era muito pequeno na época, mas os detalhes em seu relato são tão impressionantes, que parecia que aquela época se passou ontem, segundo ele, a cidade tinha dois lugares muito frequentado na época: o cinema – hoje também fechado – e o principal Clube de Valparaíso. “O que? Você não tem ideia de como era! No auge do clube era muito chique frequentar o local. O ambiente era familiar entende? Pra entrar não podia usar qualquer roupa não, só entrava quem estivesse bem alinhado, com roupas elegantes mesmo, durante os bailes as mulheres usavam vestidos longos e os homens só podiam frequentar se estivessem com paletó, se não nem passavam da porta”, recorda.

Durante a entrevista, enviada por bilhetes escritos de próprio punho, Jairo confidencia do que mais sente saudade. “Lembro com saudades dos bailes de debutantes, de formatura, dos carnavais, inclusive das matinês. Recordo das rixas com moradores vizinhos, coisa de jovem, outras cidades frequentavam o clube, a gente não gostava quando eles paqueravam as meninas de Valparaíso, ah, mas, se bem que, a gente também fazia isso quando íamos para as cidades vizinhas”, diverte-se. O último grande baile, que Jairo tem recordação, foi em um aniversário da cidade, realizado no dia 30 de maio – mas ele não soube precisar a data – nesse evento, segundo ele aconteceu um episódio, que muita gente ao se lembrar, cai na gargalhada. “Vou te contar, nesse baile, tinha muita gente mesmo, veio até o repórter Hermano Henning, ele era de Guararapes, mas tinha parentes em Valparaíso.

Na oportunidade ele subiu ao palco, elogiou nossa cidade e finalizou com a frase: Tenho orgulho de pertencer a esta grade família de Valparaísôôô”! Anos mais tarde, o pai de Jairo, transferiu o título para ele e conta que na época o único jeito de se tornar sócio era ser indicado por outro sócio do clube. Com o tempo, uma nova diretoria foi eleita e o clube começou a tomar ares de como está hoje, foram construídos três piscinas e um campo de futebol, e na época foi um grande acontecimento da cidade.“As piscinas ficavam abarrotadas de gente, sempre bem cuidadas pelo seu Dias, lembro até hoje das risadas, das alegrias que daquele lugar emanava”, se emociona. “Eu vi o clube da minha infância decair e por mais de vinte anos ficar fechado” lamenta Saboga.

DE INVISÍVEL PARA DESTAQUE NAS REDES SOCIAIS

Existem lugares que ficam guardados nas lembranças das pessoas, e vira e mexe, o assunto vira pauta durante as reuniões familiares. Em 2014, a conversa foi o prato principal na casa do empresário de turismo, Eduardo de Carvalho Vicente, quando ele e alguns amigos comentavam sobre o abandono do clube. E dessa conversa surgiu a ideia de criar um grupo no Facebook e colocar a ‘boca no trombone’. “De início o objetivo era expor a decadência do clube e de alguma forma, instigar a população para o problema. Não demorou, e começaram a surgir muitos comentários e sugestões. Foi aí que percebi que as outras pessoas tinham uma relação mais profunda com o local. O foco do grupo mudou, passamos a reunir apoio para mudarmos o destino no nosso clube”, explica Eduardo.

CAÇA À HISTÓRIA

Começou naquele ano uma corrida sem precedentes. Eduardo conta que a criação do grupo nas redes sociais ‘acordou’ um sentimento que não havia planejado. A partir daquele dia, foi criada uma força tarefa, pessoas engajadas em acabar com a fama de “elefante branco” do clube de Valparaíso. Várias reuniões foram feitas, entre advogados e apoiadores até levantarem cada bloco de história até os dias atuais. “Não fiz nada sozinho, levantamos tudo, toda documentação datada desde 1943, a planta do imóvel, a dívida de IPTU, entrevistamos ex-funcionários, personagens chave para a compreensão do cenário como um todo. Fizemos de tudo para que surgisse uma solução. O que não podíamos permitir é que a marca da nossa história continuasse se deteriorando, se tornando esse elefante branco e um criadouro de dengue no meio da cidade”, argumenta e completa, “fico feliz em dizer que nosso objetivo foi atingido, depois de três anos da entrada do processo, o espaço antes esquecido pode vir a vislumbrar um novo amanhecer”.

UM NOVO HORIZONTE

Para a movimentação criada para salvar o clube do esquecimento e abandono, a atuação de várias frentes foi o diferencial, e toda mineração pelos registros e documentos, parou na mesa do advogado Agostinho Barbosa Neto, membro do grupo, trabalhou como secretário jurídico do município e foi quem entrou com o pedido na justiça, para apropriação por meio da prefeitura. Um pedido enviado por mãos entrelaçadas por várias outras. “Estamos diante de uma situação que possui várias camadas de problemas. Quando o Clube teve o CNPJ encerrado em 31 de dezembro de 2008, foi acumulando débitos fiscais e aí restou a situação de abandono, até que o poder público declarou o imóvel vago e sujeito á arrecadação por abandono, isso em 2017. Assim, depois de três anos dessa declaração, conforme dispõe o Código Civil, o imóvel volta para o município, em resumo, o local será incorporado ao patrimônio público, mediante o ajuizamento da Ação de Imissão de Posse, firmada em dezembro do ano passado”, explica. Na prática, com a imissão de posse, permite ao município investir e dar uma destinação apropriada ao imóvel, por hora, provisoriamente, mas em breve de maneira definitiva. E o rumo que o antigo clube deverá ter, certamente contará com a opinião de quem deu um empurrão no destino: a população. “O sonho de revitalizar, reativar ou mesmo dar uma nova vida ao Valparaíso Clube, imagino que seja de cada um de nós. Presenciei várias situações em que autoridades pediam providências, vereadores pleiteavam a desapropriação do imóvel, acontece que o instituto da “desapropriação” enseja a indenização dos proprietários, o que no caso custaria milhões de reais aos cofres públicos. A alternativa seria criar um vínculo com o imóvel no valor do débito fiscal, o que não seria suficiente para arrecadar toda a área do clube”, sustenta Barbosa.

A solução para o impasse de legalidade estava no instituto da arrecadação gratuita de bens abandonado, baseado no princípio da função social da propriedade, segundo o advogado, algo nunca pensado antes. Por enquanto, um novo capítulo se desenha diante dos portões corroídos pelo tempo. Para quem continua morando na mesma quadra, ou para aqueles que já não moram na cidade, quando o pensamento se voltar para o Clube, quem torce pelo seu retorno triunfante, pede que se lembre de como ele era, assim, o legado da conquista do que virá, ressoará por muitos anos. A reportagem estou em contato com o prefeito de Valparaíso, Carlos Alexandre Pereira, para saber qual será o destino do prédio, mas até o fechamento desta edição não houve nenhuma manifestação.

 

FONTE: FOLHA DE REGIÃO